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REVOLUÇÃO TRIBUTÁRIA NA ERA DIGITAL

22/07/2020

Por Roberto Duque Estrada
 
Há décadas em que nada acontece, há semanas em que acontecem décadas. Essa frase de Lênin bem ilustra o efeito transformador que a pandemia da Covid-19 impôs sobre a sociedade global. O ritmo das mudanças que já vinham se materializando foi dramaticamente acelerado.
Estaremos amanhã como estaríamos daqui a dez anos. As consequências políticas, sociais e econômicas dessa aceleração disruptiva serão por todos nós sentidas. Alguns suportarão melhor, outros pior, darwinianamente sobreviverão os melhores adaptados. Há previsões para todos os gostos sobre o "novo normal". Mas apenas uma coisa é certa: a pandemia marca o começo de uma nova era, como a gripe espanhola foi um dos marcos do fim da Era dos Impérios e o começo da Era dos Extremos, o breve século XX, para usar as clássicas terminologias de Hobsbawm.
As novas formas de interação do capital e do trabalho demandam não uma simples reforma, mas uma revolução tributária, que quebre paradigmas
As novas formas de interação do capital e do trabalho demandam não uma simples reforma, mas uma revolução tributária, que quebre antigos paradigmas e permita a entrada na Era Digital, com um modelo de tributação adequado às novas relações econômicas.
É indiscutível que se precisa desonerar a folha de salários. A perda de empregos provocada pelas medidas de restrição da atividade econômica impostas por decretos governamentais é irreversível. Mais pessoas estão desempregadas e, pior que isso, muitas tornaram-se obsoletas. Já não mais conseguirão empregos, pois suas posições se extinguiram. E nada se resolverá com medidas como as dos ludistas ingleses do princípio do século XIX, que destruíam máquinas em protesto contra a automação.
Foi a alta carga tributária sobre a contratação de empregados que induziu à tão criticada "pejotização", movimento consistente na constituição de pessoas jurídicas (PJs) para prestação de serviços às empresas em lugar da "carteira assinada".
A redução de custos provocada pela utilização de uma alternativa juridicamente válida - exercício da atividade profissional através de uma pessoa jurídica - tem sido severamente recriminada pelas autoridades fiscais. Com efeito, para além da eliminação dos ônus da tributação da folha de salários, a pessoa jurídica prestadora de serviços sob o regime do lucro presumido acaba tendo uma tributação inferior àquela que incide sobre as pessoas físicas, taxadas pelas alíquotas progressivas do IRPF.
Uma das facetas dessa reação fiscal é a tentativa de taxação dos dividendos. A eliminação da dupla tributação econômica da mesma renda - enquanto lucro ao nível da pessoa jurídica e enquanto dividendo ao nível da pessoa, física ou jurídica, que o recebe - foi um grande avanço de simplificação e justiça fiscal introduzida em 1995, que não deveria ser jogada fora, como pérolas aos porcos, por populismo tributário. Seria um gravíssimo retrocesso.
Em primeiro lugar porque a maioria esmagadora dos profissionais liberais e empresários exercem suas atividades por meio das pessoas jurídicas submetidas ao regime do lucro presumido e não podem ser considerados "pejotizados". Trata-se de empreendedores que assumem os riscos dos seus negócios, suportam custos com locação, salários, tributos, planos de saúde, entre outros, e não podem ser comparados aos funcionários públicos ou privados, em situação radicalmente distinta quanto a esses fatores. A sobrevivência dos empreendedores - motores da economia criativa e inovadora - é transcendental para a retomada pós-Covid-19.
Acresce que a "universalização" do lucro presumido, associada à exoneração dos dividendos, eliminou custos com a fiscalização de dedução de despesas, com o combate aos esquemas de distribuição disfarçada de lucros etc. A máquina estatal terá que se reaparelhar para retornar a fiscalizar tais situações. Será que vale a pena retroceder? Já fizeram as
No campo da tributação do consumo, é tempo de simplificar. A dicotomia entre mercadorias e serviços, categorias econômicas expressamente utilizadas pelo constituinte para conferir competência tributárias aos entes políticos, tornou-se cada vez mais difusa no mundo digital. A solução histórica do STF de tributar o software de prateleira como mercadoria, sujeito ao ICMS, e o software customizado como serviço, sujeito ao ISS, já não faz mais qualquer sentido nos dias de hoje em que tudo o que era sólido desmanchou-se no ar.
A desmaterialização digital tornou essa distinção ultrapassada. Apenas a tributação dos fluxos financeiros (com atenção às bitcoins) permitirá uma arrecadação eficaz sobre manifestações de capacidade contributiva no ambiente digital.
Um tributo sobre valor acrescentado, como o IBS da PEC 45, ainda será necessário, posto que adequado às relações econômicas da indústria e do comércio. Mas a PEC precisará de ajustes para que não onere de forma assaz gravosa as prestações de serviços, inviabilizando o setor econômico que mais se desenvolveu no Brasil nos últimos anos junto com o agronegócio.
Enfim, o desafio é complexo e requer uma visão global e coordenada entre as diversas esferas do poder político. É fundamental que Executivo e Legislativo encontrem rapidamente um consenso para dar as respostas urgentes que a sociedade brasileira demanda para enfrentar os desafios desse admirável mundo novo, que já começou.
Roberto Duque Estrada é sócio fundador do BDE- Brigagão, Duque Estrada Advogados, diretor da ABDF, conselheiro do Conselho de Governança e Compliance da Associação Comercial do Rio de Janeiro, membro do Conselho Diretor da Abrasca, membro do comitê de assuntos fiscais da International Bar Association.
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Fonte: Valor
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