Por José Mauro Progiante
Costuma-se dizer que na existência, tão certo como morrer, é pagar impostos. Até mesmo o esmoler que vive na rua sofre o peso da carga tributária, ao usar o óbolo que lhe chega às mãos para adquirir o que lhe garante a subsistência, na condição de contribuinte de fato.
E um outro ônus é fatal para quem tem o privilégio de ser, além de um pagador de tributos indiretos, um contribuinte de direito, por deter uma parcela de riqueza para a qual se volta o grande olho de um ente estatal tributante. Essa pessoa, seja física ou jurídica, além de arcar com o tributo, está sujeita às chamadas obrigações acessórias, ou deveres instrumentais.
Ao tratar das disposições gerais sobre a obrigação tributária, em seu artigo 113, o Código Tributário Nacional usa dois dos seus três parágrafos para dizer como essa obrigação surge, por que ela existe e o que acontece quando ela é descumprida.[1]
A fonte da obrigação acessória é a legislação tributária e ela é criada para atender aos interesses do fisco. Seu fundamento é o pressuposto de que a imposição de multas pelo descumprimento da obrigação principal é insuficiente para que a ordem tributária seja mantida. Os órgãos de arrecadação e fiscalização convencem o legislador de que só é possível evitar que o contribuinte sonegue mantendo-o num cerco de exigências cuja inobservância pode ser até mais gravosa que a própria sonegação.
A obrigação acessória não é obrigação de pagar tributo, mas, como diz o CTN, se ela não é cumprida, ganha uma outra natureza, passa a ser considerada também uma obrigação principal, e com isso o fisco pode punir o infrator com uma penalidade pecuniária, como faz quando o tributo deixa de ser pago.
Num sistema tributário equilibrado, em que o direito tributário penal[2] sirva para dissuadir o sonegador e não para incrementar a receita estatal, os tipos infracionais predominantes são os que têm relação direta com o crédito tributário, que implicam descumprimento da obrigação principal. Nele, as penalidades pecuniárias por infrações regulamentares são menos pesadas, em coerência com o menor potencial de lesividade dessas faltas.
Não é o que se vê em nosso país, em nenhuma das três esferas da federação. Aqui o rol de obrigações acessórias costuma ser muito extenso e as multas por seu inadimplemento muitas vezes não atendem ao princípio da proporcionalidade, chegando a se caracterizar como confiscatórias.[3]
Essa pletora de obrigações acessórias e as penalidades a elas associadas constituem um risco enorme para as empresas, nem sempre percebido. Principalmente o pequeno e médio empresário, focado no seu empreendimento, restringe o seu campo de visão na área tributária ao pagamento das guias que lhe são enviadas pelo contador, sem se dar conta da quantidade de outras normas que lhe cabe cumprir para estar quite com o fisco.
Talvez por influência da percepção que tem do direito penal, em que o dolo é relevante para a condenação e execução da pena, o contribuinte brasileiro não atenta para uma particularidade do direito tributário penal, expressa nestes termos no artigo 136 do CTN: "Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato." Ou seja, no direito tributário sancionatório vigora a regra da responsabilidade objetiva, não se exigindo a comprovação de dolo para imposição da penalidade.
O agente do fisco, cuja atividade administrativa é vinculada e obrigatória, segundo está disposto no parágrafo único do artigo 142 do CTN, não leva em consideração a motivação do faltoso na hora de lavrar o auto de infração, não precisa apurar se a norma foi desatendida deliberadamente ou por erro.
Pode acontecer, e acontece frequentemente, de a empresa estar em dia com a obrigação principal, pagando regularmente os tributos de sua responsabilidade, e mesmo assim receber uma autuação fiscal impactante, porque não foi dada a devida atenção ao risco inerente às obrigações acessórias.
É fundamental que o conjunto de deveres tributários instrumentais (prazos de entrega de declarações, guarda de documentos, atendimento de notificações do fisco, etc), por mais secundários que pareçam, seja bem conhecido e esteja sempre no radar do empresário. Tornar o risco visível é a melhor maneira de minimizá-lo.
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[1] CTN - Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.
[2] Há que distinguir direito tributário penal de direito penal tributário. O primeiro diz respeito às infrações fiscais administrativas, é ramo do direito tributário, e o segundo trata dos crimes fiscais, está no âmbito do direito penal.
[3] O Poder Judiciário tem afastado com frequência a aplicação de multas regulamentares por ofensa ao princípio da proporcionalidade e por nelas identificar caráter confiscatório. Encontra-se pendente de decisão pelo STF o Tema 487 (Caráter confiscatório da "multa isolada" por descumprimento de obrigação acessória de dever instrumental), com repercussão geral reconhecida.
Fonte: Tributário